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O alienista — análise literária

“O alienista” é uma narrativa do irônico escritor realista Machado de Assis. Conta a história de Simão Bacamarte, um médico que parece ignorar os limites da ciência.

Capa do livro “O alienista”, de Machado de Assis, publicado pela editora L&PM.[1]
Capa do livro “O alienista”, de Machado de Assis, publicado pela editora L&PM.[1]
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O alienista é uma narrativa escrita pelo autor realista Machado de Assis. Inicialmente, ela foi publicada no livro de contos Papéis avulsos, de 1882. Se trata da história do médico Simão Bacamarte, um homem da ciência, que constrói um hospício na vila de Itaguaí, conhecido como a Casa Verde.

No entanto, aquilo que parecia ser fruto da evolução científica se transforma em motivo de medo para os habitantes da vila. Isso porque Bacamarte interna em seu hospício todas as pessoas que agem de modo não racional, segundo seus próprios critérios. Dessa forma, o irônico narrador evidencia os excessos da ciência e do Naturalismo.

Leia também: Dom Casmurro — análise de outra obra-prima machadiana

Tópicos deste artigo

Resumo da obra O alienista

  • O alienista é um conto ou novela do escritor realista Machado de Assis.

  • A obra foi publicada, pela primeira vez, no livro de contos Papéis avulsos, de 1882.

  • A narrativa conta a história do doutor Simão Bacamarte e sua Casa Verde, um hospício onde ele interna pessoas que agem de forma não racional.

  • A principal característica dessa cômica narrativa é a ironia, usada para criticar os excessos da ciência e do Naturalismo.

Videoaula sobre o livro O alienista

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Análise da obra O alienista

  • Personagens da obra O alienista:

    • Simão Bacamarte: médico e protagonista.
    • Evarista da Costa e Mascarenhas: esposa de Bacamarte.
    • Crispim Soares: boticário.
    • Lopes: padre.
    • Porfírio: barbeiro.
    • Sebastião Freitas: vereador.
    • Benedita: mucama de dona Evarista.
    • João Pina: outro barbeiro.
    • Supostos loucos:

♦ Costa;
♦ a prima do Costa;
♦ Mateus;
♦ Martim Brito;
♦ José Borges do Couto Leme;
♦ Chico das cambraias;
♦ o escrivão Fabrício;
♦ Coelho;
♦ Gil Bernardes.

  • Tempo da obra O alienista

O tempo da narração está associado ao presente do narrador, isto é, final do século XIX. Porém, o tempo da narrativa, segundo as “crônicas da vila de Itaguaí”, está vinculado a “tempos remotos”, não especificados pelo narrador, mas relacionados à época do “El-rei Dom João V”, possivelmente.

  • Espaço da obra O alienista

A história se passa na vila de Itaguaí, no Rio de Janeiro.

  • Enredo da obra O alienista

O doutor Simão Bacamarte, “filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas”, depois de estudar em Coimbra e Pádua, regressa ao Brasil após completar 34 anos de idade. Assim, vai morar em Itaguaí e se dedicar totalmente à ciência. Com 40 anos, se casa com uma viúva de 25 chamada Evarista.

A escolha de Bacamarte, no entanto, nada tem de romântica — é totalmente racional, pois a mulher “reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes”.

Porém, ele estava enganado, já que a esposa nunca lhe daria um filho sequer. E isso só faz o médico se dedicar mais e mais ao estudo da medicina. Uma área em particular acaba por chamar a sua atenção: “o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral”. Assim, pede licença à Câmara para construir um hospício — a Casa Verde:

Era na Rua Nova, a mais bela rua de Itaguaí naquele tempo; tinha cinquenta janelas por lado, um pátio no centro, e numerosos cubículos para os hóspedes. Como fosse grande arabista, achou no Corão que Maomé declara veneráveis os doidos, pela consideração de que Alá lhes tira o juízo para que não pequem. A ideia pareceu-lhe bonita e profunda, e ele a fez gravar no frontispício da casa; mas, como tinha medo ao vigário, e por tabela ao bispo, atribuiu o pensamento a Benedito VIII, merecendo com essa fraude aliás pia, que o Padre Lopes lhe contasse, ao almoço, a vida daquele pontífice eminente.

Quatro meses depois, a Casa Verde já está cheia de loucos, e é preciso “anexar uma galeria de mais trinta e sete” cubículos ao hospício. A partir daí, todos da vila ficam sujeitos ao julgamento médico de Bacamarte: “[...], nada o consternava fora da ciência; [...], se ele deixava correr pela multidão um olhar inquieto e policial, não era outra coisa mais do que a ideia de que algum demente podia achar-se ali misturado com a gente de juízo”.

Mãos saindo de janela antiga.
Bacamarte usa a ciência para justificar a repressão.

O terror se instala em Itaguaí quando Simão Bacamarte começa a internar, na Casa Verde, todos aqueles e aquelas que, segundo ele, não são guiados pela razão:

  • Um “certo Costa”: depois de receber uma herança, “entrou a dividi-la em empréstimos, sem usura, mil cruzados a um, dois mil a outro, trezentos a este, oitocentos àquele, a tal ponto que, no fim de cinco anos, estava sem nada”.

  • A prima do Costa: é supersticiosa e acredita em pragas.

  • Mateus: gosta de admirar a própria casa “durante uma longa hora”.

  • Martim Brito: dado à oratória, afirma que “Deus, [...], depois de dar o universo ao homem e à mulher, esse diamante e essa pérola da coroa divina (e o orador arrastava triunfalmente esta frase de uma ponta a outra da mesa), Deus quis vencer a Deus, e criou D. Evarista”.

  • José Borges do Couto Leme, Chico das cambraias, o escrivão Fabrício, o Coelho e outros, como o Gil Bernardes, que “teve medo quando lhe disseram um dia que o alienista o trazia de olho; na madrugada seguinte fugiu da vila, mas foi logo apanhado e conduzido à Casa Verde”.

Uma rebelião contra o tirano doutor Simão Bacamarte é liderada pelo barbeiro Porfírio, cujo apelido é Canjica. Assim, o levante fica conhecido como a Revolta dos Canjicas. Porém, depois que dissolve a Câmara e assume o poder, Porfírio, surpreendentemente, apoia o médico.

Entretanto, com medo de um golpe empreendido pelo barbeiro João Pina, Porfírio decreta o fim da Casa Verde e o desterro do alienista. Em vão, pois João Pina sobe ao poder. Até que a vila é tomada pela “força mandada pelo vice-rei” para restabelecer a ordem, e Simão Bacamarte coloca Porfírio e outros “cinquenta e tantos indivíduos” no hospício, além de Sebastião Freitas, Crispim Soares e o presidente da Câmara restituída.

A partir daí, “foi uma coleta desenfreada. Um homem não podia dar nascença ou curso à mais simples mentira do mundo, ainda daquelas que aproveitam ao inventor ou divulgador, que não fosse logo metido na Casa Verde. Tudo era loucura”. Assim, o alienista acaba internando a própria esposa, diagnosticada com “mania santuária”.

Por fim, ele decide colocar todos os loucos na rua, pois “resultara para ele a convicção de que a verdadeira doutrina não era aquela, mas a oposta, e portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto”.

Agora, os motivos da reclusão no hospício são outros: “Os alienados foram alojados por classes. Fez-se uma galeria de modestos; isto é, os loucos em quem predominava esta perfeição moral; outra de tolerantes, outra de verídicos, outra de símplices, outra de leais, outra de magnânimos, outra de sagazes, outra de sinceros, etc.”.

Mais tarde, curados esses loucos, “Simão Bacamarte achou em si os característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto”. E, portanto, “recolheu-se à Casa Verde”.

  • Narrador da obra O alienista

O narrador da obra é onisciente, pois possui total conhecimento dos personagens (é capaz de saber até seus pensamentos mais íntimos).

  • Características da obra O alienista

A obra O alienista é considerada, por alguns críticos, devido às suas dimensões, como sendo um conto, mas outros a consideram uma novela. De qualquer forma, essa obra, publicada pela primeira vez no livro de contos Papéis avulsos (1882), possui a seguinte estrutura:

  • Capítulo I: De como Itaguaí ganhou uma casa de Orates.

  • Capítulo II: Torrente de loucos.

  • Capítulo III: Deus sabe o que faz!

  • Capítulo IV: Uma teoria nova.

  • Capítulo V: O terror.

  • Capítulo VI: A rebelião.

  • Capítulo VII: O inesperado.

  • Capítulo VIII: As angústias do boticário.

  • Capítulo IX: Dois lindos casos.

  • Capítulo X: A restauração.

  • Capítulo XI: O assombro de Itaguaí.

  • Capítulo XII: O final do § 4o.

  • Capítulo XIII: Plus ultra!

Pertencente ao Realismo, essa obra apresenta uma característica marcante do autor, isto é, a ironia. Assim, se configura como uma narrativa cômica, crítica e sem idealizações. Afinal, o narrador machadiano zomba do cientificismo naturalista de finais do século XIX e mostra os perigos causados pelo excesso, que pode fazer a ciência quase se confundir com uma crença.

Confira no nosso podcast: A peste, de Albert Camus

Machado de Assis

Machado de Assis
Machado de Assis

Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis) nasceu em 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro. Seu pai era brasileiro e sua mãe, açoriana. Pobres, eles viviam como agregados na Quinta do Livramento, propriedade da madrinha do autor. Anos depois, o rapaz se tornou romancista, poeta, contista, cronista e dramaturgo.

Ademais, trabalhou como aprendiz de tipógrafo e revisor de textos, além de ter sido funcionário público. É considerado o introdutor do Realismo no Brasil, com seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881. Também foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 29 de setembro de 1908, no Rio de Janeiro.

  • Videoaula sobre Machado de Assis

Contexto histórico de O alienista

O Realismo no Brasil, estilo literário ao qual a obra O alienista está vinculada, teve início em 1881, ou seja, durante o fim da monarquia. Afinal, a Proclamação da República ocorreria em 15 de novembro de 1889. Porém, outros acontecimentos históricos contribuíram para essa transição de estilo:

A monarquia simbolizava o conservadorismo, contrário ao espírito inovador do final do século XIX, em que as ideias científicas passaram a nortear a vida dos europeus, atravessavam o oceano e eram recebidas com entusiasmo por aqui.

Créditos das imagens

[1] Editora L&PM (reprodução)

[2] mark designers / Shutterstock.com

 

Por Warley Souza
Professor de Literatura

Escritor do artigo
Escrito por: Warley Souza Professor de Português e Literatura, com licenciatura e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SOUZA, Warley. "O alienista — análise literária"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/o-alienista.htm. Acesso em 16 de abril de 2024.

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