Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman é um filósofo e sociólogo que estudou a Pós-Modernidade e como as relações humanas desenrolam-se nesse arranjo social complexo, global e secular.

Zygmunt Bauman foi um filósofo, sociólogo, professor e escritor polonês. Sua obra influencia estudos em sociologia, filosofia e psicologia. É um dos maiores intelectuais do século XXI. Ao estudar as interações humanas na Modernidade tardia, também denominada Pós-Modernidade, ele percebeu que “as relações escorrem pelo espaço entre os dedos”.

Trata-se de relacionamentos menos duradouros, há um medo difuso que torna os indivíduos inseguros e autocentrados, assim, a segurança é buscada no prazer imediato que o consumo pode oferecer, no isolamento voluntário, no distanciamento dos diferentes e na fugacidade de relações que não suportam erros ou adversidades.

Nesses fenômenos, Bauman encontrou um ponto comum: a liquidez. Baseado em sua perspicácia e genialidade, ele analisou com afinco o que conceituou como modernidade líquida, amor líquido e medo líquido.

Leia também: Karl Marx – grande influenciador do pensamento de Bauman

Biografia de Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman nasceu em 19 de novembro de 1925, em Poznan, Polônia. De ascendência judia, fugiu com sua família após a invasão de tropas nazistas em seu país. Em 1939, sua família refugiou-se na União Soviética. Bauman alistou-se no Primeiro Exército Polonês, servindo no agrupamento controlado pelos soviéticos como instrutor político. Em 1940, filiou-se ao Partido Operário Unificado, o partido comunista da Polônia. Em 1945, ingressou no Serviço de Inteligência Militar, em que permaneceu por três anos.

Zygmunt Bauman com o uniforme de major do Corpo de Segurança Interna, unidade militar especial polonesa (1953).

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Bauman retornou para a Varsóvia e conciliou sua carreira militar com estudos acadêmicos e a militância política no Partido Operário. Estudou Sociologia na Academia de Política e Ciências Sociais de Varsóvia e prosseguiu nos estudos cursando mestrado na Universidade de Varsóvia. Em 1950, deixou o Partido Operário, e, em 1953, foi expulso do exército da Polônia.

Concluiu o mestrado em 1954 e tornou-se professor-assistente de Sociologia na Universidade em que estudara. Embora próximo à ortodoxia marxista, influenciado por Antonio Gramsci e Georg Simmel, suas críticas ao governo polonês, que à época era comunista, renderam-lhe perseguições por 15 anos, ao ponto de, em 1968, ser demitido, perder a cidadania polonesa e, junto a sua esposa, bem como outros poloneses de origem judia, ser expulso da Polônia.

Embora crítico ao governo comunista de seu país, Bauman militava numa perspectiva humanista do marxismo e declarou-se socialista até o fim de sua vida. Exilaram-se inicialmente em Israel, onde ele lecionou na Universidade de Tel-aviv.

Em 1971, foi convidado para lecionar Sociologia na Universidade de Leeds, na Inglaterra. Nela trabalhou até a sua aposentadoria, em 1990. Além de professor, foi diretor do departamento de Sociologia nessa instituição. Desde que se mudou para a Inglaterra e suas publicações passaram a ser majoritariamente em inglês, sua notoriedade alcançou o mundo. Foi um dos maiores intelectuais a dissertarem sobre a chamada Pós-Modernidade.

Casou-se com a também judia e escritora Janina Bauman, que conheceu na juventude, quando serviu na guerra, e com quem viveu até a morte dela, em 2009, tendo juntos três filhas: Irena, Lydia e Anna. Bauman faleceu em 9 de janeiro de 2017, aos 91 anos.

Ao todo publicou 50 obras, das quais as de maior destaque foram: O mal-estar da Pós-Modernidade (1997), Modernidade líquida (2000), Amor líquido (2003) e Medo líquido (2006). Sua última obra, Estranhos à nossa porta (2016), dissertou sobre a crise de refugiados que migravam para a Europa naquele período.

Teorias de Zygmunt Bauman

Bauman, embora um catedrático de formação sociológica clássica, após se aposentar, voltou sua atenção para a análise dos novos tempos que apontavam no horizonte da Modernidade tardia. O olhar aguçado e distanciado de um homem que viveu as mais profundas experiências que marcaram o século XX permitiu-lhe avaliar com o necessário estranhamento as mudanças que se avizinhavam.

Suas análises concentraram-se especialmente na fluidez das relações humanas e no sentimento generalizado de medo.

Bauman, uma das mais importantes vozes intelectuais deste século, cunhou novos conceitos: modernidade líquida, amor líquido, medo líquido. Por que a insistência nos derivativos da palavra liquidez? Porque suas características básicas — maleabilidade, fluidez e difusão — são facilmente identificadas na maneira como as pessoas relacionam-se umas com as outras, com o tempo, consigo mesmas, enfim, com o modo de viver que se desenvolveu na Modernidade tardia ou Pós-Modernidade.

Zygmunt Bauman manteve-se em atividade intelectual por toda a sua vida.[1]

Bauman coloca a individualização como marca registrada da sociedade moderna, e mostra sua ambivalência no sentido de conferir autonomia aos indivíduos e, ao mesmo tempo, insegurança ao torná-los responsáveis pelo futuro e pelo sentido de suas vidas sem uma determinação social externa. Nesse processo, a individualização configura-se enquanto troca dos valores liberdade e segurança.

O medo é definido por Bauman como ignorância da ameaça e do que deve ser feito. Ele desenvolve o conceito de medo secundário, um medo, sempre reatualizado social e culturalmente, que norteia o comportamento do indivíduo havendo ou não uma ameaça direta. Esse sentimento, também chamado de derivado, provoca a sensação de vulnerabilidade ao perigo e de insegurança e é facilmente desvinculado das ameaças que inicialmente causaram-no, ou seja, é um medo descolado da realidade, que gera insegurança e ansiedade mesmo em se tratando de situações hipotéticas.

Há, na sociedade líquida e moderna, a fragmentação do medo primário medo da morte — em incontáveis preocupações e a sua incorporação no fluxo da vida cotidiana, já que a ideia de morte foi desvinculada de seu sentido religioso de passagem para outra vida e de eternidade. Essa inserção do medo primário na preocupação cotidiana torna-o totalizante e primordial nas escolhas a serem feitas e na própria constituição do comportamento.

Bauman enfatiza o fato de a proteção contra os infortúnios individuais, antes delegada ao Estado (do bem-estar social) ou às comunidades, tornar-se responsabilidade dos indivíduos, o que tem como consequência a fragilização dos vínculos humanos, a inconstância das lealdades comunais e a revogabilidade de compromissos. Os indivíduos buscam soluções isoladas para problemas produzidos socialmente e são encorajados a priorizarem sua segurança pessoal. A busca individual por quaisquer objetivos e o não pertencimento a um grupo levam à desconfiança da possível solidariedade alheia e até à crença de que a maleficência compõe a intenção dos outros.

O medo derivado, enquanto norteador do comportamento, leva os indivíduos a estarem sempre alertas quanto aos riscos, e pelo fato de o medo estar difuso, ele pode ser encontrado em qualquer parte, até no comportamento das outras pessoas. Todos se tornam estranhos em potencial, já que nunca é possível prever-se totalmente a intenção alheia. A segurança é identificada no autoisolamento, e o suprimento da necessidade de relações sociais é mediado, em parte, pela tecnologia que permite um contato não necessariamente delimitado num espaço físico comum.

Bauman coloca as relações humanas como inconstantes. Há uma desconfiança na fidelidade do outro e uma indisposição em construir-se parcerias duráveis e sólidas. O rompimento de relações (amorosas ou não) é definido como morte metafórica ou morte de terceiro grau.

As relações são fundamentadas no medo da exclusão. Nunca se sabe de onde virá o golpe, quem se cansará primeiro dos compromissos incômodos e difíceis ou encontrará relações mais promissoras. Tanto antes quanto depois dessa morte metafórica, o tempo é fragmentado e descontínuo, o rompimento não atrasa o fluxo da vida, tampouco o interrompe. A fragilidade dos vínculos humanos permite que eles não sejam temidos ou difíceis de manter-se e que seu desligamento não seja tão doloroso, mas também trazem a insegurança da possibilidade de exclusão.

A felicidade e a segurança são buscadas individualmente. O pragmatismo também penetra as relações sociais. A solidão, definida como um insight dissimulado do medo da morte, é expulsa pela busca do outro de maneira utilitária e pontual.

A liberdade concedida em troca da segurança torna-se sensação por meio do consumo. A busca por proteção é materializada em mercadorias pela manipulação do medo da morte como gerador de lucro. A quantidade de serviços de entretenimento e a imitação de uma cidade dentro de um condomínio fechado podem ser vistas como formas de forjar-se a liberdade perdida com o isolamento espacial. O próprio consumo em si pode provocar sensação de liberdade, já que a posse do dinheiro permite várias escolhas de locomoção e aquisição de bens.

As comunidades também são consumidas e não se perpetuam para além da utilidade que exercem. São flexíveis, sua criação e desmantelamento partem de escolhas, e estas não devem prejudicar ou impedir que outras decisões sejam tomadas. São transformadas em artigos de consumo voltados para a proteção.

Nesse sentido, Bauman cita a comunidade estética, criada pela indústria do entretenimento. Ela é orientada pela aparência e usa como ferramenta a sedução. A referência é alguma celebridade, alguém que tenha muitos seguidores. A veiculação de notícias sobre experiências, gostos, enfim, tudo que envolva a vida dessa celebridade, leva os fãs a sentirem-se parte dela sem estabelecerem compromissos incômodos. Há uma união vivida como se fosse real que não prejudica a preservação e execução de desejos individuais.

Outro exemplo de comunidade são os condomínios fechados, denominados por Bauman comunidades fechadas, lugares de exílio voluntário — que implica ausência de compromissos de longo prazo — em que se pratica o distanciamento mental e moral e a fuga do sentimento e da construção de intimidade. Todas as outras pessoas, com seus diferentes modos de vida, são evitadas e vistas como intrusas. Há a redução das possibilidades de encontro com a diferença, de enfrentamento de um desafio cultural. Nesse contexto, o eu é construído com base nas preferências e possibilidades de consumo: você é aquilo de que gosta e é capaz de comprar.

O aumento da desigualdade não é um efeito colateral acidental e desprezado, é, antes, parte integrante de uma concepção de felicidade humana e de vida confortável, assim como da estratégia ditada por essa concepção. Essas concepção e estratégia podem ser contempladas e usufruídas apenas como privilégios, e é praticamente impossível ampliar seu alcance. A própria obsessão pela segurança é compartilhada com maior intensidade pelo grupo de privilegiados que dispõe de mais meios de garantir a proteção, e a temida violência humana é fomentada pelas desigualdades estabelecidas e crescentes.

O medo derivado, enquanto uma estrutura mental estável, torna-se determinante do comportamento, e, por desacoplar o medo da ameaça direta, somando-se ao fato de o medo da morte estar secularizado e diluído nas preocupações cotidianas, torna-se totalizante, o que reflete no comportamento dos indivíduos como constante estado de alerta em relação às circunstâncias mais diversas e também em relação às pessoas que se tornam estranhas na medida em que se desconhece suas intenções.

As comunidades criadas e consumidas tornam-se o lugar de expulsar a diferença e fugir dos estranhos ao passo em que são pautadas por relações sociais pragmáticas e não possessivas, simultaneamente intensas e fugazes, delimitadas por necessidades específicas e fadadas ao rompimento assim que essas necessidades forem satisfeitas. O medo difuso é personificado nos estranhos, e estes se tornam combatíveis enquanto categorias específicas ou simplesmente enquanto diferença.

A vida em sua totalidade e na especificidade das relações humanas é ilustrada por Bauman como uma sucessão de episódios e uma série de recomeços.

Veja mais: Estruturalismo – método das ciências humanas e sociais desenvolvido no fim do século XIX

Principais obras de Zygmunt Bauman

Mural em homenagem a Zygmunt Bauman, intelectual que se popularizou entre a juventude do século XXI. [2]

Bauman escreveu ao todo 50 obras, portanto, serão listadas apenas as principais:

  • Modernidade e Holocausto (1989)

  • Pensando sociologicamente (1990)

  • Modernidade e ambivalência (1991)

  • Vidas em fragmentos (1995)

  • O mal-estar da Pós-Modernidade (1997)

  • Globalização (1998)

  • Em busca da política (1999)

  • Modernidade líquida (2000)

  • Comunidade (2001)

  • Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2003)

  • Vidas desperdiçadas (2003)

  • Vida líquida (2005)

  • Medo líquido (2006)

  • Vida para consumo (2007)

  • Tempos líquidos (2007)

  • Cegueira moral (2014)

  • A riqueza de poucos beneficia todos nós? (2015)

  • Estado de crise (2016)

  • Estranhos à nossa porta (2016)

Créditos das imagens

[1] Mariusz Kubik/Commons

[2] Mateusz Opasiński /Commons


Por Milka de Oliveira Rezende

Professora de Sociologia

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

REZENDE, Milka de Oliveira. "Zygmunt Bauman"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/zygmunt-bauman.htm. Acesso em 29 de abril de 2024.

De estudante para estudante


Vídeoaulas