Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade

“Claro enigma”, de Carlos Drummond de Andrade, é um livro de poesias. Seu autor pertence à segunda geração modernista. O aspecto existencial é o que sobressai nessa obra.

Carlos Drummond de Andrade, 1970.

Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade, é uma obra modernista, publicada pela primeira vez em 1951. Ela está dividida em seis partes e traz poemas de caráter existencial, com temática amorosa e reflexões sobre o tempo, a memória e a morte. Seu autor nasceu na cidade mineira de Itabira, em 1902, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1987.

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Resumo sobre Claro enigma

  • Claro enigma é um livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade.

  • Seu autor é um escritor mineiro pertencente à segunda geração modernista.

  • Publicada em 1951, a obra é dividida em seis partes e possui caráter existencial.

  • Seu contexto histórico está relacionado à ditadura do Estado Novo, à Segunda Guerra Mundial e ao início da Guerra Fria.

Características da obra Claro enigma

Claro enigma é um livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade. Ele foi publicado pela primeira vez em 1951. A obra é dividida em seis partes:

  • Entre lobo e cão”: caráter existencial.

  • Notícias amorosas”: temas amorosos.

  • O menino e os homens”: sobre a passagem do tempo.

  • Selo de Minas”: ambientados em Minas Gerais.

  • Os lábios cerrados”: reflexões sobre a memória e a morte.

  • A máquina do mundo”: temática da vida moderna.

A obra apresenta características da segunda fase do Modernismo brasileiro:

  • reflexões sobre o mundo contemporâneo;

  • caráter existencial;

  • conflito espiritual;

  • crítica sociopolítica;

  • presença de versos regulares e livres.

Exemplos de poema da obra Claro enigma

Em “Remissão”, o eu lírico faz uma reflexão existencial que engloba a memória, a poesia e a vida. Assim, ele diz que a memória é o alimento ou tema da poesia. Porém, a poesia é alimento dos vulgares. A memória e a poesia vão se misturando e se transformam na triste vida.

Triste é a vida do poeta, a quem o eu lírico parece se dirigir. Para o poeta, só lhe resta o “contentamento de escrever”, enquanto o tempo e a vida passam. Esse poema de Drummond é um soneto com versos decassílabos. Portanto, o poeta recorre ao tradicional rigor formal:

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, e suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

Em “Rapto”, poema com versos decassílabos, o eu poético, por meio de uma metáfora, fala do desejo sexual. Tal desejo é relacionado a uma “forma pura”, que, no voo da águia, se eleva quando se degrada. Assim, o eu lírico sugere a relação sexual e o prazer na “tortura do embate, no arremate/ de uma exaustão suavíssima”.

Se esses “raptos terríveis” da águia se repetem (aqui o eu lírico deixa o campo da águia e nos leva para as “portas de pérola dúbia das boates”), se há “um soluço” no “beijo estéril”, é preciso ficarmos atentos “ao desígnio/ da natureza ambígua e reticente”, pois ela constrói “outra forma de amar no acerbo amor”.

Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o voo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.

Por fim, no poema “Permanência”, escrito em versos livres, a voz poética reflete sobre a memória e a morte. Ela fala de lembrança e da perda da memória. Para o eu lírico, o amor é eterno. Mas o fim, a morte, também é, e começa bem antes de acontecer.

Paradoxalmente, o eu poético afirma que “o esquecimento ainda é memória”, de forma a defender a “permanência” de que fala o título, já que a memória é “chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão”, ou seja, em um corpo sem vida:

Agora me lembra um, antes me lembrava outro.

Dia virá em que nenhum será lembrado.

Então no mesmo esquecimento se fundirão.
Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.

Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.

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Contexto histórico da obra Claro enigma

A preocupação com as questões sociopolíticas e existenciais, que caracteriza as obras de autores da segunda geração modernista, como Claro enigma, advém do contexto histórico da primeira metade do século XX. A quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929, afetou a economia mundial e levou à queda do preço do café brasileiro, principal item de exportação.

No Brasil, a República Velha chegava ao fim, e o país passou a ser governado por Getúlio Vargas (1882-1954), que, em 1937, decretou o Estado Novo, uma ditadura que durou até 1945. Enquanto isso, a Segunda Guerra Mundial explodia na Europa, em 1939, precedida pela ascensão do fascismo e do nazismo.

A guerra terminou em 1945, com a explosão de duas bombas atômicas no Japão. Em seguida, o mundo ficou ciente do Holocausto na Alemanha, caracterizado pelo genocídio de judeus, homossexuais e outras minorias. Os autores da Geração de 30, diante do autoritarismo e da guerra, são levados a fazer reflexões existenciais e políticas.

No pós-guerra, o Brasil passou a ser governado por Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), um militar eleito democraticamente. A volta à democracia brasileira coincidiu com o início da Guerra Fria. Nesse contexto, o presidente brasileiro escolheu ficar ao lado dos Estados Unidos, e nova perseguição aos comunistas voltou a ocorrer no Brasil, com a proibição do PCB em 1947.

Carlos Drummond de Andrade

Estátua do escritor Carlos Drummond de Andrade, no Rio de Janeiro.[1]

Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de outubro de 1902, na cidade mineira de Itabira. Mais tarde, sua família se mudou para Belo Horizonte, onde o poeta iniciou sua carreira como escritor e estudou na Escola de Odontologia e Farmácia. Mas não atuou como farmacêutico, preferindo o trabalho de redator.

A partir de 1930, trabalhou como oficial de gabinete de Gustavo Capanema (1900-1985) e, em 1935, como chefe de gabinete do ministro da Educação e Saúde Pública, no Rio de Janeiro. Foi funcionário público até 1962, quando se aposentou como chefe de seção da DPHAN. E faleceu em 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro.

Créditos da imagem

[1] Maarten Zeehandelaar / Shutterstock

 

Por Warley Souza
Professor de Literatura

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SOUZA, Warley. "Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/claro-enigma-de-carlos-drummond-de-andrade.htm. Acesso em 30 de abril de 2024.

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