A hora da estrela

“A hora da estrela” é um livro da escritora brasileira Clarice Lispector. Ele conta a história da nordestina Macabéa. Possui caráter metalinguístico e reflexão existencial.

Capa do livro “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, publicado pela editora Rocco. [1]
Capa do livro “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, publicado pela editora Rocco. [1]
Crédito da Imagem: shutterstock

A hora da estrela é uma novela da escritora brasileira Clarice Lispector. É a obra mais famosa da autora e foi publicada pela primeira vez em 1977, no ano da morte de Clarice. Nesse livro, o narrador Rodrigo S. M. mostra a criação da personagem Macabéa, a pobre e resignada nordestina que protagoniza a história.

A datilógrafa Macabéa vive no Rio de Janeiro e namora com o ambicioso nordestino Olímpico. Ele abandona a moça para namorar com Glória, colega de trabalho de Macabéa. Após sair da casa da cartomante madama Carlota, a protagonista é atropelada e tem a sua hora da estrela, isto é, a morte.

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Resumo da obra A hora da estrela

  • A novela A hora da estrela é narrada pelo narrador Rodrigo S. M.

  • O narrador faz reflexões existenciais durante toda a obra.

  • Antes de iniciar a narrativa, ele mostra o processo de criação de Macabéa.

  • Macabéa, protagonista da história, é uma moça de origem nordestina.

  • Ela trabalha como datilógrafa em uma empresa no Rio de Janeiro.

  • A protagonista namora com Olímpico, um nordestino ambicioso.

  • Ele a troca por Glória, colega de trabalho de Macabéa.

  • Após consultar uma cartomante, Macabéa é atropelada e morre.

Videoaula sobre A hora da Estrela

Análise da obra A hora da estrela

  • Enredo da obra A hora da estrela

A história começa com as palavras do narrador, ou seja, Rodrigo S. M. Ele se apresenta, faz profundas reflexões e mostra o processo de criação da protagonista Macabéa. Nesse ponto, o narrador abre mão de sua onisciência, afirma que “muito adivinhei ao seu respeito”, mas também diz que parece “conhecer nos menores detalhes essa nordestina”.

Segundo o narrador, “a datilógrafa não quer sair” dos seus ombros. Ele se refere a Macabéa e constata que “a pobreza é feia e promíscua”. Assim, ele vai construindo a personagem, sua história e personalidade. Por fim, inicia a narrativa da vida de Macabéa.

Ela trabalha, como datilógrafa, em uma firma de representante de roldanas. Porém, seu chefe anda insatisfeito, pois ela erra demais na datilografia e suja o papel. A pobre Macabéa não possui encantos. Afirma o narrador: “Só eu a vejo encantadora.” Então, fala do passado de Macabéa.

Ela nasceu raquítica no sertão nordestino e ficou órfã de pais quando tinha dois anos de idade. Em Maceió, passou a viver com a tia beata, que lhe dava cascudos na cabeça. Mais tarde, ela e a parenta se mudaram para a cidade do Rio de Janeiro. Após a morte da tia, Macabéa passou a morar num quarto compartilhado com outras quatro moças.

Em um mês de maio, ela encontra um rapaz, eles se olham “por entre a chuva” e se reconhecem como dois nordestinos. Olímpico convida Macabéa para passear. Nas próximas duas vezes em que se encontram, também está chovendo, o que leva o rapaz a afirmar: “Você também só sabe é mesmo chover!”.

Ele é operário, mas se diz “metalúrgico”. Olímpico é ambicioso, desonesto, se acha inteligente e quer ser deputado. Logo ele se mostra extremamente bruto e impaciente com a namorada, enquanto ela é sempre resignada. Até que ele conhece Glória, colega de trabalho da namorada, e abandona Macabéa.

A protagonista aceita a situação e um convite para um lanche na casa de Glória, que quer “compensar o roubo do namorado da outra”. No dia seguinte, uma segunda-feira, Macabéa passa mal e procura um médico barato indicado pela colega. Ele fica impressionado com sua magreza.

Macabéa revela que só come cachorro-quente e sanduíche de mortadela, só bebe café e refrigerante. É Glória que diz para Macabéa procurar a cartomante madama Carlota. A previsão é boa: a vida da nordestina vai mudar assim que ela sair da casa da cartomante. Ela vai conhecer um homem louro e estrangeiro.

Segundo a cartomante, ele vai lhe trazer “dinheiro grande” e também se casar com a nordestina. Porém, ao sair da casa da madama, quando está atravessando a rua, Macabéa é atropelada por um Mercedes amarelo. Em seguida, o narrador mostra os seus últimos momentos, até a protagonista ter a sua hora de estrela do cinema, ou seja, a morte.

  • Personagens da obra A hora da estrela

    • Rodrigo S. M.: narrador.

    • Macabéa: protagonista.

    • Raimundo Silveira: chefe de Macabéa.

    • Glória: colega de trabalho da protagonista.

    • Olímpico: namorado de Macabéa.

    • Carlota: cartomante.

  • Tempo da obra A hora da estrela

O narrador não especifica nem o tempo da narração nem o tempo da narrativa. Concluímos, portanto, que a história se passa na década de 1970, quando a obra foi escrita. Além disso, ele alterna entre os tempos cronológico (no relato dos fatos da vida de Macabéa) e psicológico (nas digressões do narrador).

  • Espaço da obra A hora da estrela

A história se passa na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, também há referência ao Nordeste brasileiro, já que essa é a região de origem da protagonista.

  • Narrador da obra A hora da estrela

O narrador de A hora da estrela tem nome e sobrenome: Rodrigo S. M. Ele não participa da história em si, mas se coloca como narrador-personagem e transita entre a observação e a onisciência.

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Características da obra A hora da estrela

A novela A hora da estrela não possui capítulos. No entanto, ela é dividida em blocos ou fragmentos de texto, que cumprem essa função. Publicado pela primeira vez em 1977, o mesmo ano da morte da autora, o livro faz parte da terceira geração modernista (ou pós-modernismo).

A prosa desse período é caracterizada pela presença do fluxo de consciência, que permite a análise psicológica dos personagens. A estrutura do texto não é convencional, e a narrativa, normalmente, é fragmentada. Também há o uso da metalinguagem. Já a temática costuma ser universal e, portanto, independe de características regionais.

Trechos de A hora da estrela

“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.”

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato.”

“Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, e ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino. Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?”

“É que ‘quem sou eu?’ provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.”

“Também esqueci de dizer que o registro que em breve vai ter que começar — pois já não aguento a pressão dos fatos — o registro que em breve vai ter que começar é escrito sob o patrocínio do refrigerante mais popular do mundo e que nem por isso me paga nada, refrigerante esse espalhado por todos os países. Aliás foi ele quem patrocinou o último terremoto em Guatemala. Apesar de ter gosto do cheiro de esmalte de unhas, de sabão Aristolino e plástico mastigado. Tudo isso não impede que todos o amem com servilidade e subserviência. Também porque — e vou dizer agora uma coisa difícil que só eu entendo — porque essa bebida que tem coca é hoje. Ela é um meio da pessoa atualizar-se e pisar na hora presente.”

“(Ela me incomoda tanto que fiquei oco. Estou oco desta moça. E ela tanto mais me incomoda quanto menos reclama. Estou com raiva. Uma cólera de derrubar copos e pratos e quebrar vidraças. Como me vingar? Ou melhor, como me compensar? Já sei: amando meu cão que tem mais comida do que a moça. Por que ela não reage? Cadê um pouco de fibra? Não, ela é doce e obediente.)”

“[...]. Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava.”

“[...]. Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida. Os que me lerem, assim, levem um soco no estômago para ver se é bom. A vida é um soco no estômago.”

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Clarice Lispector

Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, em Tchetchelnik, na Ucrânia. Nesse ano, os pais vieram para o Brasil, trazendo suas três filhas. Em 1922, foram morar em Maceió, e Haia Lispector passou a se chamar Clarice Lispector. Mas ficou órfã de mãe em 1930. Cinco anos depois, ela e a família passaram a residir no Rio de Janeiro.

Clarice Lispector (1969), em fotografia de Maureen Bisilliat. [2]

Em 1940, começou a trabalhar como redatora e repórter na Agência Nacional. Formou-se em Direito no ano de 1943. Nesse mesmo ano, publicou seu primeiro romance — Perto do coração selvagem. Era o início de uma carreira de sucesso como escritora, que só chegou ao fim em 9 de dezembro de 1977, com o falecimento da autora.

Créditos da imagem

[1] Editora Rocco (reprodução)

[2] Wikimedia Commons (reprodução)

 

Por Warley Souza
Professor de Literatura 

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SOUZA, Warley. "A hora da estrela"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/clarice-lispector.htm. Acesso em 18 de abril de 2025.

De estudante para estudante


Vídeoaulas


Lista de exercícios


Exercício 1

Sobre as características da obra de Clarice Lispector, é correto afirmar:

a) A causa socialista e posteriormente o ceticismo político marcaram sua vida. Sua obra pode ser dividida em quatro fases: fase gauche, fase social, fase do “não” e fase da memória.

b) Sua poesia é marcada pela presença constante de metáforas e símbolos, inclinação para o surrealismo e os contrastes entre o abstrato e o concreto. Sua obra sofreu grande influência do marxismo.

c) Sua prosa e poesia foram marcadas por temas relacionados à paisagem nordestina, denúncia da condição de exploração e marginalização dos negros e, a partir de 1935, sua obra ganhou também enfoque religioso em virtude de sua conversão ao catolicismo.

d) A escritora nunca esteve filiada a nenhum movimento literário, contudo, é possível observar certa inclinação neossimbolista em razão da presença de temas como o espiritualismo e o orientalismo em sua obra.

e) A pesquisa estética e a renovação das formas de expressão literária são características da obra da escritora, que utilizou amplamente a técnica do fluxo de consciência, transferindo a experiência interior para o primeiro plano da criação literária.

Exercício 2

Sobre a obra de Clarice Lispector é correto afirmar, exceto:

a) Influenciada por escritores como James Joyce, Virginia Woof, Marcel Proust e William Faulkner, Clarice Lispector introduziu o fluxo de consciência na Literatura brasileira, técnica que quebra os limites espaço-temporais e cruza vários planos narrativos sem preocupação com a linearidade.

b) Embora a maioria de suas personagens protagonistas seja do sexo feminino, Clarice recusou o rótulo de escritora feminista.

c) Clarice apresentou à Literatura brasileira uma narrativa que subverteu a estrutura dos tradicionais gêneros narrativos através da quebra da ordem cronológica do enredo.

d) Sua linguagem é permeada por neologismos e regionalismos, e sua narrativa faz uso de recursos mais comuns à poesia, tais como o ritmo, as aliterações e as metáforas.

Exercício 3

UFPR – 2008

“(...) As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. (...)”

(de “Os desastres de Sofia”)

(...) Na verdade era uma vida de sonho. Às vezes, quando falavam de alguém excêntrico, diziam com a benevolência que uma classe tem por outra: “Ah, esse leva uma vida de poeta”. Pode-se talvez dizer, aproveitando as poucas palavras que se conheceram do casal, pode-se dizer que ambos levavam, menos a extravagância, uma vida de mau poeta: vida de sonho. Não, não era verdade. Não era uma vida de sonho, pois este jamais os orientara. Mas de irrealidade. (...)”

(de “Os obedientes”)

Com base nos fragmentos acima transcritos, extraídos de contos do livro Felicidade clandestina, de Clarice Lispector, considere as seguintes afirmativas:

I. Narrar ou deixar de narrar, avaliar de diferentes maneiras um mesmo fato narrado são hesitações frequentes dos narradores de Clarice Lispector. Como nos fragmentos acima, também em outros contos prioriza-se a abordagem da vida interior, própria ou alheia, revelando sutis alternâncias de percepção da realidade.

II. O aspecto metalinguístico está presente no primeiro fragmento.

III. Na ficção de Clarice Lispector, as diferenças entre a percepção masculina e a feminina não são tematizadas, pois o ser humano está sempre condenado a viver num mundo incompreensível.

IV. Na ficção de Clarice Lispector, apenas as personagens adultas têm consciência de seus processos interiores. As crianças e adolescentes sofrem o impacto de novas descobertas, mas sua inocência os afasta de qualquer comportamento perverso e os protege dos riscos de viver mais intensamente.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.

b) Somente as afirmativas 2 e 4 são verdadeiras.

c) Somente as afirmativas 3, 4 são verdadeiras.

d) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.

e) Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras.

Exercício 4

Enem - 2013

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

[...]

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. [...] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.

Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso registrar os fatos antecedentes.

LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro:  Rocco, 1998 (fragmento).

A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade porque o narrador

a) observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens. 

b) relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem.

c) revela-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso.

d) admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas.

e) propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.