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A relação de poder entre os povos indígenas segundo Pierre Clastres

Segundo Pierre Clastres, a relação de poder entre os povos indígenas difere da visão ocidental por não ser baseada na dicotomia comando-obediência.

Segundo Pierre Clastres o Ocidente classifica as sociedades indígenas como sociedades sem poder
Segundo Pierre Clastres o Ocidente classifica as sociedades indígenas como sociedades sem poder
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O etnocentrismo constitui uma barreira epistemológica porque apenas conseguimos ver a outra cultura a partir de nossas próprias categorias. A etimologia da palavra, por si só, já constitui uma explicação: seria uma etnia no centro, ou seja, ver todas as outras culturas a partir daquilo que tomamos como central, importante e verdadeiro. Isso impossibilita uma verdadeira apreensão de outras sociedades.

Segundo Pierre Clastres, é isso que ocorre na questão do poder. O Ocidente classifica as sociedades indígenas como sociedades sem poder. Elas apresentam um chefe, mas este chefe é desprovido de poder coercitivo. Para o autor, o grande problema é que para pensar o poder nessas sociedades, a etnologia (estudo das etnias) parte sempre do poder político que se baseia na dicotomia comando-obediência.

Para essas sociedades, nada seria mais estranho do que alguém mandar no outro e o outro obedecer. Elas não veem o poder a partir dessa categoria. A etnologia em seus estudos faz com que as sociedades primitivas girem em torno da civilização ocidental, como se o poder comando-obediência fosse a forma universal do poder. Para Clastres, universal é o fato de que não há social sem poder, pois essa é uma questão que teve de ser resolvida por todas as sociedades. Entretanto, a forma como cada uma enfrentou e resolveu seu próprio problema é uma forma particular de pensá-lo, assim como o poder que se apresentou no Ocidente é uma solução particular e que teve entre os selvagens uma solução diferente.

É nesse sentido que o autor fala de uma “revolução copernicana”, pois pensa ser necessário ver as sociedades indígenas a partir de si mesmas. A etnografia (registro das etnias) deve retirar o Ocidente do centro de suas indagações e ver a questão do poder através das soluções dos próprios indígenas. Da mesma forma que Copérnico retira a Terra do centro de seu sistema – assim operando uma verdadeira revolução na astronomia, o que possibilita todo o avanço da ciência – também a etnologia deve provocar esta revolução para, somente neste caso, tornar possível uma antropologia política.

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É preciso ver essas sociedades através de sua positividade. Elas não chegaram até nossa forma de poder, não porque foram incompetentes; simplesmente negaram-se a ela, negaram-se a constituir um Estado como o modelo ocidental, que tem como base as categorias comando-obediência. O poder, como questão, foi resolvido de diferentes formas por diversas sociedades. São sociedades que não permitem uma divisibilidade, isto é, não criam divisões por idade, sexo, ou trabalho. Isto é algo que jamais será compreendido pelo Ocidente.

Clastres concorda com Lapierre que a inovação social produz o poder. Segundo este, o poder seria coercitivo, não um poder não coercitivo. Como a inovação é a produção de história, as sociedades sem poder coercitivo são sociedades sem história. Não estaria o autor sendo vítima do etnocentrismo? Ele questiona o poder comando-obediência para estudar nações sem esse poder coercitivo, mas quer tomar as categorias ocidentais para definir como se faz história.

Ao afirmar o poder político nessas sociedades, Clastres afirma a possibilidade da história. Para a existência do poder é necessária toda uma organização social a qual difere da organização social dos animais. Toda sociedade humana tem como pré-requisito conseguir educar as gerações futuras em sua cultura, para que possa manter a sua estrutura social. E isso representa a tradição, que é a primeira forma de produção histórica (compreender a sua própria sociedade a partir de suas próprias categorias) que foi elaborada no interior deste grupo e conseguir mantê-las é o que se chama cultura. E onde há cultura é porque há história.

O poder não coercitivo é realizado de forma que uma figura mítica represente o chefe nos rituais que servem para rememorar a organização social. Basta que seja uma figura, nem sempre a mesma, mas que apenas cumpra a função de líder. No entanto, ele não exerce poder nenhum sobre os membros da sociedade.


Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Escritor do artigo
Escrito por: João Francisco Pereira Cabral Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

CABRAL, João Francisco Pereira. "A relação de poder entre os povos indígenas segundo Pierre Clastres"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-relacao-poder-entre-os-povos-indigenas.htm. Acesso em 18 de abril de 2024.

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